Um ano após início das fiscalizações, protocolo Não se Cale ainda enfrenta desafios de implementação
A Secretaria de Políticas para a Mulher do Governo do Estado de São Paulo e o Procon-SP dizem que o foco é levar orientações para a população. Norma deve ser seguida por bares, baladas, restaurantes, casas de espetáculos, eventos e similares O protocolo Não Se Cale, de apoio a mulheres em situação de risco, completou um ano do início das fiscalizações em todo o estado de São Paulo neste mês de abril. Segundo a norma, funcionários de bares, baladas, restaurantes, casas de espetáculos, eventos e similares devem se capacitar para auxiliar mulheres. A implementação na prática, entretanto, tem enfrentado desafios.
“Apesar dos esforços, ainda identificamos uma grande dificuldade de comunicação e divulgação da política”, afirma Valéria Bolsonaro, secretária de Políticas para a Mulher do Governo do Estado de São Paulo, em entrevista à PEGN. “Nosso maior objetivo é que essa seja uma política de proteção e segurança para as mulheres, e não uma política meramente punitiva. A intenção não é multar estabelecimentos, mas sim conscientizar e engajar os envolvidos na causa.”
Segundo o protocolo, que é coordenado pela Secretaria de Políticas para a Mulher do Governo do Estado de São Paulo e fiscalizado pelo Procon-SP, os funcionários devem fazer um treinamento virtual para se capacitarem e os estabelecimentos devem colar cartazes da iniciativa em local de fácil visualização e no interior de todos os banheiros disponíveis às mulheres (clientes ou funcionárias). Desde agosto de 2023, quando a iniciativa se tornou obrigatória, quase 47 mil profissionais já concluíram o treinamento.
Em setembro de 2024, a secretaria iniciou um projeto em que, por meio de carretas, percorre os municípios paulistas divulgando suas ações — inclusive o Não Se Cale. Até o momento 90 cidades já receberam a iniciativa. “As carretas têm sido uma ferramenta importante para ampliar esse alcance. Levamos cartilhas, cartazes e outros materiais de apoio a cada cidade visitada”, diz Valéria.
A secretária afirma que não tem uma estimativa precisa do número de organizações que devem se adequar ao protocolo devido à instabilidade desse setor, com constantes aberturas e fechamentos de empresas nos 645 municípios do estado. Dados da Associação de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel-SP) dizem que a cidade de São Paulo abriga cerca de 104 mil estabelecimentos voltados à alimentação, como bares, restaurantes e similares. O estado conta com 378 mil negócios do segmento.
Inicialmente, o curso contava com uma carga horária de 30 horas. “Após uma reorganização, conseguimos reduzí-lo para 15 horas, tornando-o mais fluído, objetivo e acessível”, diz Valéria, acrescentando que a “mudança foi muito bem recebida pelos participantes”.
Outra mudança é que o conteúdo passou a ser disponibilizado também no site do Procon-SP em fevereiro deste ano. “Assumimos um papel que vai além da nossa função tradicional. O ano foi especialmente desafiador para o Procon, que atua como órgão fiscalizador, mas cuja intenção, desde o início, não era a de autuar, e sim colocar em prática uma ferramenta de enfrentamento à violência”, diz Carina Minc, assessora executiva do Procon-SP.
Segundo a entidade, entre dezembro de 2023 e janeiro de 2025, mais de 2 mil estabelecimentos foram orientados na capital paulista. No interior e no litoral, até março deste ano, 1.984 fornecedores foram orientados em mais de 114 cidades.
Uma pesquisa do Procon-SP divulgada em março deste ano diz que quase 70% dos consumidores disseram desconhecer o Não Se Cale, e mais de 95% disseram que mais informações sobre o protocolo deveriam ser divulgadas.
A entidade ainda fez uma parceria com o Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo, que tem um contato direto com pequenos empreendedores, para promover orientações, cursos e distribuição de materiais informativos.
O foco, diz Minc, é garantir que a lei “pegue”. Ainda assim, os fiscais estão habilitados a verificar o cumprimento da norma. “Estabelecimentos que descumprirem as exigências estão sujeitos às sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor, com multas que podem chegar a R$ 13 milhões, dependendo de critérios como porte econômico da empresa, gravidade da infração e vantagem obtida.”
Para Leonel Paim, vice-presidente da Abrasel SP, a falta de implementação pode ser causada pelo desconhecimento da lei, mas também pela falta de iniciativa dos proprietários. Em sua visão, os empreendedores devem considerar que aplicar a lei também pode impactar positivamente o faturamento.
“Hoje em dia, vemos cada vez mais grupos de mulheres frequentando bares e restaurantes sozinhas ou em companhia umas das outras. Precisamos garantir que elas se sintam seguras, que possam circular livremente sem o receio de serem importunadas”, afirma o executivo, que também considera a medida válida do ponto de vista social.
“Muitos dos nossos colaboradores acabam levando esse conhecimento para seus bairros e para outros estabelecimentos onde eventualmente venham a trabalhar. Ou seja, o impacto do treinamento vai além dos limites do local onde é aplicado.”
Saiba mais
Implementação
Antes mesmo de ser obrigatório, o restaurante Z Deli, na capital paulista, implantou o protocolo Não se Cale e incentivou que os funcionários fizessem o treinamento. “Algumas pessoas acharam o máximo e super necessário, principalmente a equipe de salão. Outras viram como dificuldade no processo de ter que fazer o curso”, diz Marina Bueno, gerente de qualidade do estabelecimento responsável pela implementação no negócio.
Para Vinícius Casella Abramides, um dos donos do Z Deli, a equipe está mais preparada. “Existe um melhor entendimento do tema e de procedimentos caso aconteça algum problema”, afirma o empreendedor, acrescentando que acredita que a comunicação nas paredes ajuda a transmitir segurança para as mulheres que são clientes.
O Z Deli colocou o cartaz no banheiro feminino
Arquivo pessoal
O Drosophyla, bar localizado no centro da capital paulista, também se adequou ao protocolo antes de ser obrigatório. Na visão da fundadora Lilian Varella, porém, o procedimento não trouxe grandes mudanças. “Na prática, o único impacto foi a exigência de afixar o cartaz.”
“O meu estabelecimento é um ambiente mais tranquilo — não é uma balada, com aquela movimentação intensa de 300, 500 pessoas. Mesmo na época em que o fluxo era maior, nunca tivemos ocorrências graves”, afirma a empreendedora, acrescentando que não ouviu um número relevante de reações dos clientes a respeito dos cartazes pendurados neste um ano de obrigatoriedade.
Para André Moss, do Parô, localizado na Zona Sul de São Paulo, os cartazes pendurados funcionam como uma forma de inibir os homens antes de cometer algum abuso dentro do estabelecimento. “Acho que é uma política efetiva sim. Até o momento não tivemos que lidar com nenhum caso de violência”, afirma. O estabelecimento tem 25 colaboradores no momento. “Todos eles fizeram o treinamento. Inclusive quando a gente renova a equipe, instruímos todos a se capacitarem.”
A matéria foi alterada às 10h31 para esclarecer que o Protocolo Não Se Cale é obrigatório desde agosto de 2023.
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