‘Spin-off’ de restaurantes: novas cozinhas nascem como continuações de negócios de sucesso
Modelo de negócio ‘permite explorar novos formatos, horários ou faixas de preço’, diz Fernando Blower, presidente do SindRio Há cerca de duas semanas, João Paulo Frankenfeld e Cris Julião acordaram com mensagens transbordando em seus celulares. A caixa de e-mails do Casa 201, restaurante dos dois, também superlotou: o número de reservas foi subitamente multiplicado por seis, fazendo com que a espera por um assento no salão de vinte lugares no Jardim Botânico chegasse a três semanas. Culpa do talento da dupla, claro, mas também do anúncio da conquista de uma cobiçada estrela Guia Michelin. Como se não bastasse, eles dobraram a aposta há quatro dias com a abertura do Balcão 201, no Leblon, bistrô-bar de toque francês que vinha sendo planejado meses antes do reconhecimento no prestigiado guia internacional. João e Cris aderiram ao que vem sendo chamado de “spin-off gastronômico” — o termo em inglês, popularizado no universo das séries de TV, define a criação de uma obra derivada da produção original, mas preparada para alçar voo próprio.
— Ganhar a estrela Michelin era um sonho desde que entrei na profissão de cozinheiro, há uns 20 anos. Aí veio o reconhecimento e nossa primeira reação foi: “Lascou! Agora vamos ter que tocar os dois” — conta, rindo, Frankenfeld, eleito Chef do Ano no Prêmio Rio Show de Gastronomia 2024.
No mundo dos comes e bebes, restaurantes renomados, com alta procura, são um prato cheio para o “spin-off”.
— Queríamos algo mais democrático do que a Casa 201, que acaba sendo nivelada pelo preço e tudo mais — explica Cris Julião, que toca o novo bistrô-bar.
Instalado na Rua Dias Ferreira, o Balcão 201 não exige reserva, tem mesas na calçada e ingredientes da casa no Jardim Botânico em novas versões. É o caso dos queijos, além de pães e linguiças artesanais com o DNA do endereço premiado no Guia Michelin.
— O conceito é de bar europeu. Além do steak tartar e do steak au poivre, tem mostarda de inspiração alemã no lugar da Dijon, e pão italiano. Queríamos fugir da ideia de boteco e manter a identidade 201— reforça Cris.
O número de licenças concedidas pela prefeitura para bares, restaurantes e botequins nos dois últimos meses foi pouco maior do que o de abril e maio de 2024 — saltou de 229 para 233. A diversificação dos modelos de negócio, no entanto, pode impulsionar as visitas da clientela.
— O “spin-off” permite explorar novos formatos, horários ou faixas de preço, sem necessariamente competir com a casa-mãe. Às vezes é uma forma de testar algo mais ousado, outras vezes é uma adaptação mais informal ou acessível, busca captar público novo ou complementar — explica Fernando Blower, presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio.
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Do pão à ‘pasta’
A criatividade dos donos e chefs tempera a estratégia. O Lazy, “pasta bar” que funciona dentro da The Slow Bakery, em Botafogo, é focado em massas e vinhos naturais. Foi criado por Rafa Brito, expert em pães sourdough, de fermentação natural.
— Abri outras unidades da Slow, que vai fazer dez anos em março de 2026. Criei uma rede de três padarias, mas não curti essa história de rede. Estava com vontade de trabalhar de forma mais criativa. Numa viagem a Los Angeles, fui à padaria de que mais gosto, a Gjusta. Eles têm do lado um restaurante, o Gjelina. Eu ia em um, em outro, um, outro… Pensei: é isso que quero fazer. A massa foi a saída natural, uma vez que trabalho com farinha, água — explica Rafa.
O novo restaurante atrai um público em busca de ambiente menos rústico do que o da padaria. No mesmo endereço, a padaria ocupa 500 metros quadrados, com fábrica e empório, enquanto o anexo tem pouco mais de 90 metros quadrados. Há quem faça hora extra para visitar os dois espaços.
— A galera gosta. Tem gente que vem tomar café às 11h no sábado, continua no papo, e, quando abrimos o Lazy, ao meio-dia, eles partem para lá, pedem um vinho, mais tarde almoçam… E saem daqui às 16h — garante o proprietário.
Questão de estratégia
Há estratégia na lógica do “spin-off”: normalmente, a segunda versão é menos onerosa e tem equipes menores. Fernando Blower explica que, para os comerciantes, eles surgem, então, como alternativas mais práticas e eficientes do que a abertura de uma nova unidade ou a inauguração de novas marcas:
— À medida que o negócio cresce, surgem pressões: de custo, de gestão. Criar “spin-offs” pode funcionar para sustentar essa estrutura crescente, gerar sinergias operacionais e fortalecer a lógica de grupo. Muitas marcas nascem como experiências únicas, sem previsão de replicação. Com o tempo, o “spin-off” passa a ser uma forma inteligente de aproveitar o valor da marca original — diz o presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes.
Casas tradicionais aderiram à ideia moderninha. Depois de 25 anos, o Via Sete, em Ipanema, ganhou em novembro do ano passado seu “spin-off”, também no bairro: o V7 tem ares de restaurante natural e operação tão enxuta quanto o nome.
— Ambos nascem da mesma crença: comida de verdade. Mas o V7 é uma versão mais democrática e contemporânea — diz o empresário Fred Weissmann, que tem as duas cozinhas chefiadas por Ricardo Lapeyre.
Badalação
A aglomeração permanente diante do Elena, no Jardim Botânico, levou seus sócios a pensarem em um segundo negócio na Rua Pacheco Leão. Aí nasceu o Eleninha. O filhote não tem os salões, a boate, nem a exigência de reserva da casa-mãe, mas também dispõe de menu elaborado pelo elogiado chef Itamar Araujo.
Itamar Araújo mostra versões de inspiração asiática do Elena e do Eleninha: dumpling de camarão no vapor e a receita com chili crunch — Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Itamar Araújo mostra versões de inspiração asiática do Elena e do Eleninha: dumpling de camarão no vapor e a receita com chili crunch — Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Cada um a seu modo, os dois pontos casam com o clima despojado do bairro. Alexandre Leite, um dos sócios, explica:
— O Eleninha é um lugar perfeito para curtir ao ar livre com os amigos, marcar um chope de última hora, de frente para o Jardim Botânico e aos pés do Cristo Redentor. O Elena foi pensado para a noite, com suas luzes, cores, projeções e apresentações.