Poder, limites e riscos democráticos sobre o perdão presidencial de Trump
Por: Danilo Dias Ticami EFE
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Recentemente, a decisão do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de conceder perdão aos envolvidos na invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, trouxe à tona uma questão que transcende as fronteiras norte-americanas: os limites jurídicos e democráticos do poder de perdoar concedido ao Chefe do Executivo. Este ato não apenas gerou uma enxurrada de críticas e debates, mas também levantou uma série de questionamentos sobre a natureza e a finalidade do perdão presidencial.
Não acredito que uma democracia madura como a dos Estados Unidos permita ao Chefe do Poder Executivo amplo e irrestrito poder para perdoar infratores condenados sem que tenha a finalidade de atender o interesse público, sob risco de atribuir uma carta branca para desautorizar o Judiciário completamente livre de controle. O perdão não pode ser utilizado como ferramenta de poder pessoal ou como ato de validação de atos contrários à própria ordem democrática.
Entretanto, o perdão de Trump carrega um indiscutível caráter político, seja pela demonstração de concordância do ex-presidente com os atos antidemocráticos praticados por seus apoiadores, seja pela reafirmação de sua própria influência política em um momento delicado. Ações como esta evidenciam o potencial de abuso em sistemas onde a discricionariedade presidencial não é devidamente equilibrada por controles institucionais robustos.
No Brasil, o Presidente da República também detém poderes para conceder graça ou indulto, instrumentos que podem extinguir total ou parcialmente penas de condenados. Enquanto a graça é individual e voltada para crimes comuns, o indulto é coletivo e, geralmente, fundamentado em razões humanitárias. Por exemplo, em 2024, um decreto presidencial beneficiou condenados que apresentavam condições físicas extremas, como cegueira ou tetraplegia.
Todavia, a Constituição Federal estabelece limites claros para esses benefícios, proibindo sua aplicação em crimes hediondos ou equiparados, como tráfico de drogas, terrorismo e tortura. Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem atuado como uma instância de controle, delimitando a discricionariedade presidencial em relação a esses atos de clemência. Um caso emblemático foi o perdão concedido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao então deputado Daniel Silveira, que foi julgado inconstitucional pelo STF por ferir os princípios da Administração Pública.
Essa linha tênue entre discricionariedade e arbitrariedade remonta aos sistemas monárquicos, onde o poder de perdoar era uma prerrogativa do soberano, considerado representante divino. Em regimes democráticos, no entanto, o perdão só pode ser considerado legítimo quando respeita os limites constitucionais e atende ao interesse público. Qualquer desvio dessa finalidade transforma o ato de clemência em um instrumento de poder autoritário, enfraquecendo os alicerces democráticos.
O caso de Trump serve como um alerta para democracias em todo o mundo. O perdão presidencial deve ser exercido com responsabilidade e alinhado aos princípios constitucionais, sob pena de corroer a confiança nas instituições e comprometer a justiça. Não podemos permitir que um poder concebido para a clemência se torne uma ferramenta de desmonte do estado de direito.
Em democracias consolidadas, o equilíbrio entre os poderes é essencial para evitar excessos. Qualquer ação que ultrapasse os limites da legalidade e do interesse público deve ser amplamente debatida, questionada e, quando necessário, corrigida.
Danilo Dias Ticami é sócio-fundador do escritório Rodrigues, Ticami Advocacia Criminal, mestre em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, atua no âmbito consultivo e contencioso em todas as instâncias judiciais, com expertise em crimes econômicos, tributários, contra a administração pública e no Tribunal do Júri.