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Pipponzi, da Raia Drogasil: ‘Não conseguir equilibrar o prato do presente e o prato do futuro quase quebrou a empresa’

Pipponzi, da Raia Drogasil: ‘Não conseguir equilibrar o prato do presente e o prato do futuro quase quebrou a empresa’


Ex-presidente do conselho da Raia Drogasil acaba de lançar livro e fala sobre história centenária e quase cinco décadas no comando da companhia O mês de abril foi movimentado para o empresário Antonio Carlos Pipponzi. Depois de deixar a presidência do conselho da RD Saúde, grupo que engloba as redes de farmácia Raia e Drogasil, ele lançou “Transitando entre Gerações – A História Centenária de uma Pharmacia que se Transformou na Maior Rede de Farmácias do Brasil” (Citadel Grupo Editorial, R$ 69,90).
O livro narra a trajetória de sucesso da Droga Raia, fundada pelo avô de Pipponzi, o imigrante italiano João Baptista Raia, em 1905, na cidade de Araraquara (SP), sob uma ótica autobiográfica. “Um dos grandes motivos para escrever foi relatar passagens interessantes que tive nos 48 anos à frente da empresa, que somam uma coleção grande de acertos e erros”, diz ele.
Em entrevista a PEGN, Pipponzi fala sobre o lançamento, o atual mercado de varejo farmacêutico e dá dicas a empreendedores. Veja os principais trechos da conversa a seguir:
PEGN – O senhor acaba de lançar um livro. Por que decidiu escrevê-lo?
Um dos grandes motivos para escrever foi relatar passagens interessantes que tive nos 48 anos à frente da empresa, que somam uma coleção grande de acertos e erros. Outro motivo é resgatar uma história de 120 anos, que começa em 1905 com o meu avô, e deixar um legado completo. Temos uma revista de 50 anos, o livro do centenário, mas de lá para cá aconteceu muita coisa. Teve abertura de capital, aconteceu fusão.
O livro tem o seu olhar pessoal sobre essas histórias?
Sim, ele é autobiográfico. Na hora que você quer aproveitar todas as suas experiências, você acaba falando das suas crenças, do que você aprendeu. Mas ele transita cronologicamente pelas quatro gerações, mostrando os pontos críticos de cada uma delas, com um foco especial nas transições, que são complexas. Normalmente é ali que se decide muito da continuidade da empresa, se ela viverá ou se ela não viverá.
O senhor mencionou que tem muitos erros e acertos. Conseguiria apontar o que, na sua gestão, foi seu maior erro e seu maior acerto?
Um dos grandes erros que eu incorri aconteceu durante a transição da terceira para a quarta geração, quando meus irmãos deixaram a empresa e eu passei a liderar um grupo mais jovem, embora muito bem preparado. O que pode acontecer no momento da transição é não conseguir ser uma empresa ambidestra, ou seja, equilibrar o legado e a inovação. E aí reside um grande risco. Talvez, nesse momento, eu poderia ter tido aquela atitude bem patriarcal de falar: “Olha, a gente tá com 120 farmácias. Quando eu comecei tinha sete. Então, pera aí, não me amola”.
Naquele momento, década de 2000 a 2010, o ambiente do Brasil era muito melhor, com estabilidade econômica. O dinheiro de banco era caro mas era acessível, o mercado de capital começava a florescer. Com aquele apetite de inovação, a gente começou a querer colocar a marca em outro lugar. E a gente foi de uma vez só, 10 farmácias no Rio de Janeiro [por exemplo]. E tem uma coisa muito comum entre empreendedores que é querer rapidamente deixar de ser local para ser estadual ou nacional: ‘Deixa eu sair rápido do mercado meu de origem, porque assim todo mundo vai ver que eu sou uma empresa estadual ou nacional’.
[Esse movimento] prosseguiu com antecipações como, em um momento em que a internet não estava madura, lançar um e-commerce e tentar uma parceria internacional. A entrega não tinha tanta eficiência, e a gente investiu um tempo enorme nisso. Mas o maior de todos os erros foi quando a gente resolveu antecipar o IPO. Não tínhamos tamanho para isso e quase perdemos o pé. Não conseguir equilibrar o prato do presente e o prato do futuro quase quebrou a empresa, e nos levou a uma situação muito difícil entre 2008 e 2010, quando trouxemos dois fundos de investimento para nos ajudar.
Agora falando dos acertos, acho que o principal foi durante o Plano Cruzado, que congelou os preços [implementado pelo governo José Sarney em 1986 tinha como objetivo reduzir a hiperinflação no país]. As prateleiras das farmácias começaram a ficar vazias. A gente teve uma ousadia enorme de manter a ideia de automatizar os pontos de venda, em uma época em que não existia código de barras. Aquilo reduziu o tempo de estoque de 60 para 30 dias e deu uma liquidez para a empresa que permitiu não só suportar o Plano Cruzado como sair dele com crescimento bastante acelerado. Acho que aqui tem um senso de empreendedorismo que, acredito, foi herdado pelo meu avô, do meu pai, e que veio para mim.
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Essa característica de tomar decisões importantes e estratégicas sob pressão pode ser desenvolvida?
Você consegue tornar uma pessoa que não tem a característica de liderança um líder. É um processo. É só desenvolvendo essa liderança que você vai ganhando bagagem para saber de que forma proceder em momentos como esses, fazer uma análise correta de cenário. É importante procurar se cercar de pessoas adequadas para tomar uma decisão, antes de tomá-la. O varejista, o empresário, tem normalmente vocação para ser empreendedor, só que muitas vezes ele raciocina pela intuição. Eu nunca desprezo a intuição, porque acho que é um conjunto de experiências que está armazenado na nossa cabeça. Mas o problema é quando você usa só da intuição. Acho que é aí que acontecem os grandes problemas em uma tomada dessa decisão.
Em 120 anos, muitas coisas mudam em um segmento. O que se manteve o mesmo e o que mudou no varejo farmacêutico nesses anos todos?
Eu vou começar dizendo que o futuro da farmácia é o passado. O nosso negócio começa em 1905, com um farmacêutico devoto. Naquele tempo, o papel do farmacêutico era quase o de um médico, tinha como fundamento cuidar das pessoas. Não era um negócio de faturar, vender mais. Claro que, consequentemente, quanto mais pessoas tinham a sua confiança, mais seu negócio iria crescer e se desenvolver. Isso muda nas décadas de 1970, 1980, quando começaram a chegar os computadores para a gestão de estoque, as empresas começaram a se profissionalizar.
Nós puxamos o movimento da automação comercial, e ganhamos muito por sair na frente, mas as outras vieram atrás e fizeram o mesmo. Então, o que acontece? Eu sentia que naquele momento, o varejo de farmácia estava completamente modificado. Estava se tornando um varejo como qualquer outro, em que você tinha uma linha de frente de balconistas comissionados, boa logística, tecnologia. Esse momento, para mim, foi o pulo do gato para a empresa se tornar o que se tornou, foi onde nasceu nossa cultura.
No começo da década de 1990, já estávamos automatizados e com 35 unidades. Tínhamos fundamentalmente quintuplicado a empresa por automatizar. Eu me lembro de ter contratado uma agência de propaganda para vender mais. O líder dessa agência é o publicitário Ricardo Guimarães, e ele fez a seguinte provocação: “Será que o que nos trouxe até aqui é o que nos vai levar adiante”? E o que nos tinha trazido até ali não eram simplesmente aqueles 10 anos de automação. Era exatamente o passado do meu avô.
Você pergunta: “Mas como é que uma cultura de 1905 chega a 1990”? Aquela cultura de cuidar de pessoas do meu avô, ela tinha passado por um discípulo dele, o Herculano de Oliveira, um farmacêutico que está no meu livro e que tinha grande influência em Araraquara [cidade do interior de São Paulo]. A farmácia Raia em Araraquara era o seu Herculano. O que a gente descobriu é que aquela farmácia tinha o dobro da venda e o triplo da rentabilidade das outras. De 35 farmácias, era a líder. O que essa farmácia tinha de diferente? Nos termos de hoje, ela tinha um modelo relacional e não transacional. Ou seja, aquela farmácia não vivia de uma transação, ela vivia de relacionamento com os clientes. Ela vivia de entender o que o cliente precisava, a sua real necessidade.
Para resgatar essa cultura, a gente fez um movimento muito difícil de tirar toda a linha de frente das lojas e passamos a ter só jovens de primeiro emprego, que a gente formava dentro da cultura de cuidar de pessoas, com uma trilha de carreira muito sólida para chegar ao nível de gerente, em quatro ou cinco anos. Essa mudança foi fundamental. Hoje, nas mais de 3,3 mil lojas, todos os nossos nossos gerentes começaram pela base. Então, eu acompanhei a farmácia antiga, que cuidava do cliente, a farmácia como varejo comum e o resgate daquela cultura até chegar aos tempos de hoje, quando temos a grande oportunidade de fazer da farmácia um ponto de atendimento à saúde.
Como seria isso?
O sistema de saúde está completamente congestionado. Onde a farmácia pode entrar? Quantos problemas de primeiro atendimento o farmacêutico não pode resolver? Que sentido faz você levar o seu filho com dor de garganta, com coriza, para o hospital, e o hospital mandar uma conta de R$ 2 mil, R$ 3 mil, para o plano de saúde, que o plano hoje não suporta mais pagar. Existe a oportunidade de a farmácia hoje exercer um papel forte na saúde. 78% dos primeiros atendimentos feitos no pronto-socorro podem ser feitos na farmácia. O farmacêutico nunca vai ser um médico, mas ele pode, com a competência dele, cuidar da saúde do cliente de forma mais integral. Como eu te falei, né? O futuro é a volta ao passado.
O que o senhor apontaria como os maiores desafios do setor?
O setor é muito resiliente, por ser de primeira necessidade. Há incertezas, claro, mas ele anda meio na contramão. Vou dizer uma preocupação que a gente tem hoje: o mercado das bets. Ele é maior que o mercado farmacêutico. A indústria têxtil, por exemplo, informa que 7% da venda de roupas foi redirecionada às bets. Acho que isso é uma ameaça. As crises internacionais sempre são algo que preocupam. Hoje há, com a eleição do Trump, um movimento meio retrógrado que vai afetar todo o comércio internacional. A gente não sabe como vai impactar o país. De toda forma, as variáveis macro impactam pouco no nosso segmento. O que impacta mais é micro. Sempre penso: “Puxa vida, que sorte que meu avô resolveu ser farmacêutico e não vender pneu”. Realmente é uma sorte. Hoje eu diria a você que nada me tira o sono, mas acho o tema das bets muito preocupante.
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Recentemente, o senhor disse que o modelo de gestão familiar é o melhor para chegar ao topo. Por quê?
Em primeiro lugar, é pressuposto que, se você quer ter uma empresa familiar, tem que ter pessoas preparadas para isso. Eu não concordo com o conceito de que profissionalizar a empresa é tirar a família. 75% do PIB mundial vem de empresas familiares. Das 20 empresas que mais cresceram nos últimos 10 anos no Brasil, 15 são familiares. Qual é a grande diferença para uma empresa que não é familiar? É o fato de que, quando tem dono, tem olhar de perenidade, de longo prazo, tem uma cultura impregnada. Precisa ter o cara que realmente está olhando lá para longe, que vai opinar, que vai defender as estratégias que vão construir valor no futuro. O comprometimento do conselho [em uma empresa não familiar] é muito menor. Tenho uma crença muito grande na empresa familiar por conta disso.
A rede não tem franquias.
Não, tudo próprio. Zero franquia. Não tem a menor condição de delegar no negócio de saúde.
Por que o senhor não acredita em franquias no varejo farmacêutico?
São tantas as razões. Primeiro, eu não acredito em franquias de produtos que não sejam exclusivos. Eu acredito no Boticário que fabrica seus produtos, na Cacau Show, na Kopenhagen, no Chiquinho Sorvetes. Para ter produtos que não são próprios, você vai precisar de um parceiro exclusivo de logística, com garantia de que ele não vai inserir outros produtos lá. Eu vou ter a garantia que ele não vai comissionar funcionários dele para fazer vendas. Então, eu jamais delegaria. Eu acredito em modelos que são focados e exercidos por nós mesmos.
Na história do grupo, houve a fusão com a Drogasil, em 2011. O que motivou essa fusão? Quando o empreendedor pode considerar fazer um movimento desse tipo?
Acho que a primeira coisa, disparado, é você conhecer a fundo o seu sócio. Se você estiver com um sócio errado, podem ser as duas melhores empresas do mundo… Eu prefiro boa governança. Estratégia ruim a governança corrige, mas governança ruim, mesmo com uma estratégia boa, destrói qualquer negócio. Então, a primeira coisa é escolher muito bem com quem você vai se associar. Por mais que o sócio seja uma pessoa bacana, entenda como ele olha o negócio. Ele está olhando no longo prazo ou no curto prazo? Ele está querendo realmente realizar um dinheiro bacana para comprar uma fazenda ou de repente ele quer um projeto de longo prazo para construir uma rede daquele negócio, por exemplo. Depois, você tem que entender os racionais. No nosso caso, a gente teria uma complementaridade geográfica e tínhamos aberto capital fazia pouco tempo. Com a fusão, viria uma empresa mais robusta, com poder de compra maior, com custo mais enxuto.
Qual é a grande lição que o senhor tira desses anos todos à frente da empresa e também trabalhando no segmento do do varejo farmacêutico?
Pode ser um pouco de pieguice, mas é que o sonho vem na frente do dinheiro. Não adianta. Você constrói as coisas quando tem paixão, quando tem sonho. Acho que o dinheiro vem depois, sabe? A gente vê muitos jovens que querem empreender, e, quando o negócio cresce um pouquinho, já estão pensando em trazer dinheiro de alguém, de um fundo. Isso vai diluir o negócio, vai destruir a cultura, vai quebrar a ideia dele, vai, em um caso de varejo, fazer ele crescer acelerado fora de São Paulo só para mostrar que ele é nacional e não era para crescer. Resumindo em poucas palavras, a gente tem que sonhar. E ter muita paciência.
Quais são os planos depois de deixar a presidência do conselho?
Mudou um ciclo super importante, de 48 anos, em que eu não tive chefe. Para mim, é o encerramento de um período, mas sigo no conselho. Meu tempo está dividido em três terços. Um é o conselho. Outro são as mentorias que dou no meu escritório, levando minha experiência a outras pessoas. O último terço é para viajar. Esse eu passo fora do Brasil.

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