Pequenas e médias petroleiras ampliam aposta na produção de gás
De acordo com a Abpip, associação de empresas independentes do setor, até 2029 investimentos totais no país chegarão a US$ 2,3 bilhões As petroleiras de médio e pequeno porte estão aumentando suas apostas na produção de gás. Do poço à distribuição, os investimentos já chegam a responder por até 40% do plano de negócios, dividindo cada vez mais o espaço até então dominado pelo petróleo. Com a abertura do setor e a ampliação do mercado livre, as companhias vêm ampliando a infraestrutura com a construção de gasodutos e unidades para processar e tratar o gás, de olho em indústrias, residências e térmicas.
As estratégias das pequenas e médias empresas se somam aos planos das grandes do setor. Somente projetos da Petrobras e da Equinor, como BMC-33 e Raya, devem elevar a oferta de gás no Brasil em cerca de 35 milhões de metros cúbicos por dia até 2030, o equivalente a mais de duas vezes o consumo de São Paulo. O volume é pouco mais que o consumo atual, de cerca de 30 milhões de metros cúbicos, sem levar em conta o uso da matéria-prima para o sistema Petrobras.
Para Márcio Felix, presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (Abpip), as empresas buscam ajudar o desenvolvimento do setor, ainda concentrado na Petrobras. Ele lembra que as pequenas e médias companhias já respondem por cerca de 7,51% da produção de gás, somando 11,5 milhões de metros cúbicos por dia, de um total de 153 milhões produzidos no país em 2024.
Para 2029, a projeção é que o total chegue a 220 milhões de metros cúbicos por dia. Se somados os investimentos gerais em gás no Brasil, o total esperado entre 2025 e 2029 é de US$ 2,332 bilhões.
— Há um foco das operadoras independentes em novas infraestruturas, como unidades de processamento, gasodutos e terminais de distribuição, além da ampliação da capacidade produtiva para atender à crescente demanda nacional e a possíveis novas frentes de exportação — afirma Felix.
De olho no mercado livre
Rivaldo Moreira Neto, diretor sênior da consultoria A&M Infra, observa que o mercado passa por um momento de amadurecimento, após o fim do processo de venda de ativos da Petrobras e a abertura ao investimento privado com as mudanças regulatórias dos últimos anos:
— Se o primeiro movimento dessas empresas foi vender para distribuidoras de gás, agora também estão indo para o mercado livre, olhando para a indústria.
A Petroreconcavo, por exemplo, está investindo US$ 120 milhões em infraestrutura de gás — 40% do total planejado pela empresa. Com 57 campos em terra, está construindo no Rio Grande do Norte uma unidade de processamento de gás (UPGN) e assinou um acordo para comprar 50% dos ativos de gás da Brava no estado.
Estes incluem UPGNs com capacidade de processamento de 3 milhões de metros cúbicos diários, um gasoduto e instalações para o armazenamento de GLP (gás de botijão).
— O gás é o combustível de transição. O país abriu seu mercado de gás, permitindo mais investimentos. Agora tem que desenvolver o mercado interno — afirmou José Firmo, CEO da Petroreconcavo.
A Brava, que tem polos de produção de gás em Rio Grande do Norte, Bahia e Espírito Santo, também está ampliando os investimentos. Pedro Medeiros, diretor de Novos Negócios e Comercial da empresa, cita os esforços para ampliar a produção de gás na Bahia e o desenvolvimento de descobertas de gás no mar, como o prospecto de Malombé, que está em análise e fica nas imediações do campo de Peroá (ES), onde já há uma plataforma e produção de gás.
— As distribuidoras de gás em regiões metropolitanas passaram por privatização nos últimos anos e agora estão investindo para ampliar o alcance da rede. A expectativa é que a demanda continue avançando acima do PIB. Também levamos gás produzido no Nordeste para o Sul por meio da malha da NTS, para atender a Comgás — diz Medeiros.
Também por mar
Em alguns casos, investir em gás foi necessário devido às características dos campos. A Alvopetro encontrou gás nos dois primeiros poços perfurados para explorar petróleo em Murucututu (BA), em 2013. Para viabilizar a comercialização, lembra o presidente e CEO, Corey Ruttan, foi aberto outro poço de gás no sul do estado, a fim de garantir volume para um contrato de longo prazo.
A infraestrutura incluiu uma unidade de processamento e um gasoduto. Desde então, são 11 poços e mais de 25 quilômetros de gasoduto. Um novo poço está sendo perfurado, antecipa Ruttan. Até o momento, já foram investidos mais de US$ 150 milhões.
— Em janeiro e fevereiro de 2025, a produção média foi de 2.375 barris de óleo equivalente por dia, sendo 94% desse volume gás natural, totalizando 381 mil metros cúbicos por dia. É um aumento de 37% em relação à média de produção do quarto trimestre de 2024. O objetivo de curto prazo é aumentar a produção de gás natural para pelo menos 500 mil metros cúbicos por dia — diz Ruttan.
O gás também vem ganhando espaço entre empresas com foco em exploração marítima. A Prio está construindo um duto de 35 quilômetros para conectar o campo de Frade, onde já há um navio-plataforma, ao de Wahoo, na Bacia de Campos. É parte de um plano de investimento total de R$ 5 bilhões em Wahoo.
— Vamos levar gás para a unidade de processamento da Petrobras em Cabiúnas. Após passar por essa unidade, o gás será fracionado em GLP, gás natural tratado para uso residencial e automotivo, além de ser condensado para a indústria petroquímica — explica Gustavo Hooper, gerente de Comercialização.
Desafios regulatórios e ambientais
Apesar dos avanços, as companhias destacam uma série de desafios. Entre eles, a necessidade de maior simplificação e clareza nos processos regulatórios e ambientais, além da redução de custos e da ampliação da acessibilidade à infraestrutura de transporte e processamento, com maior transparência nos preços.
— A empresa precisou firmar um contrato de venda de gás de longo prazo, com altos compromissos de fornecimento e penalidades severas em caso de falha. Esse modelo de contratação, historicamente utilizado pela Petrobras, tornou a comercialização mais difícil para novos ativos sem histórico de produção e operando em um único campo. Esses desafios são barreiras significativas para novos projetos, especialmente para campos menores e empresas de menor porte. Como o setor já envolve riscos naturais, a adição de incertezas na comercialização pode levar empresas a evitarem investimentos de capital que, de outra forma, seriam viáveis — diz Ruttan, da Alvopetro.
A agenda regulatória de interação do gás natural com o segmento de distribuição de combustíveis e geração de energia elétrica é fundamental para acelerar a equação de oferta e demanda, avalia Pedro Medeiros, diretor de Novos Negócios e Comercial da Brava. Além disso, a agenda de licenciamento ambiental é essencial para apoiar os investimentos, garantindo a viabilidade da infraestrutura de transporte, escoamento e processamento.
— Ainda temos no Brasil oportunidades e necessidade de criação de novas infraestruturas, como capacidade de estocagem de gás. Hoje, somos sócios de um dos maiores campos do país, o de Manati, que tem potencial para se tornar um polo de estocagem, facilitando a consistência de consumo e oferta nesse ambiente de gás. Além disso, seguimos explorando novas fronteiras, como a parceria com a Eneva na Bacia do Paraná — afirma Medeiros.