Sign In

Notícias

Ultimas Notícias
ONGs ensinam como apoiar o empreendedorismo

ONGs ensinam como apoiar o empreendedorismo


Documento do W20 Brazil, que será entregue ao G20 nesta terça, sugere políticas públicas de respaldo ao pequeno negócio Há sete anos, a pedagoga Rejane Santos percebeu que o fato de morar na favela de Paraisópolis, em São Paulo, poderia ser uma oportunidade de se tornar uma empreendedora na área de recrutamento e seleção de pessoal. Em relação às outras empresas especializadas, ela levava a vantagem de viver em meio a uma população carente de empregos, realidade que ela se habituou a ver desde criança. Desde então, a sua empresa, a Emprega Comunidades, já colocou 4,5 mil pessoas no mercado de trabalho. Poderia ser mais não fossem as dificuldades que ela e outros empreendedores da periferia enfrentam.
Santos tentou participar dos editais públicos para escolha de prestadoras de serviços de recrutamento – em ministérios e secretarias estaduais. “Mas só as grandes conseguem percorrer a burocracia desses processos.” Ela encontra dificuldades semelhantes em empresas privadas. Muitas acham que uma empresa como a dela não precisa ser remunerada porque “já fizeram o favor de oferecer emprego a quem mora na favela”, conta Santos à reportagem – este texto faz parte de uma série sobre empreendedorismo iniciada pelo Valor no dia 24.
“Imagine se uma pessoa como a Rejane tivesse acesso à tecnologia por meio de uma política pública específica. Hoje ela tem que fazer manualmente todo o processo de aproximar as pessoas que buscam emprego das empresas. Sai muito caro investir nisso”, diz Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME), organização não governamental que promove o empreendedorismo feminino no país.
Nas campanhas para as eleições municipais deste ano, a RME foi procurada pelas equipes de vários candidatos que buscam informações sobre quais políticas públicas ajudariam as pessoas que não conseguem acessar o mercado de trabalho e que estão em situação mais vulnerável.
Fontes foi direta nas respostas. “O principal desafio é o acesso a capital, que pode ser tanto a dificuldade para obtenção de crédito como o direito a uma linha de financiamento para inovação”, diz. Na última pesquisa da RME, a falta de crédito para investir no negócio e pagar despesas foi o problema mais apontado entre os motivos que levaram empreendedoras a encerrar os negócios, seguido por dificuldade em arcar com os custos de estrutura e transporte.
A RME tentou buscar no Banco Central informação de crédito por gênero. A última pesquisa da rede mostrava que mulheres têm menos acesso ao crédito. Mas não obteve resposta da instituição. Pela pesquisa da RME, isso aconteceria não só por elas buscarem negócios em áreas em que os bancos têm menos interesse de oferecer linhas de financiamento, como moda e alimentação, mas também porque, diz Fontes, “dinheiro sempre foi um território masculino”.
Linhas de financiamento por gênero, destaca, poderiam solucionar o problema. Tão grave quanto a questão financeira, diz, é a dificuldade de acesso a creche por quem não tem carteira assinada. “Isso não está escrito em lugar nenhum, não é uma regra. Mas as mulheres nos relatam”.
Ideias de políticas públicas voltadas ao empreendedorismo estarão em documento de recomendações que o W20 Brazil, grupo de engajamento do G20 e no qual Fontes é líder, entregará à presidência do G20 nesta terça-feira (1) no Rio de Janeiro. Uma das propostas é promover as chamadas compras inclusivas.
“Nos Estados Unidos já existe a recomendação de que determinado percentual de compras feitas por grandes companhias seja de pequenos negócios de grupos minorizados”, destaca Fontes. “Gostaríamos que os políticos fizessem algo semelhante no Brasil e pode começar num município, num Estado”, completa.
A RME tem um projeto que promove reuniões de vendedoras certificadas com empresas para elas apresentarem seus produtos. “Isso pode ser replicado; isso mudaria jogo”, diz Fontes.
A Gerando Falcões, uma ONG que apoia e acelera o trabalho de outras ONGs, criou um programa a partir da percepção de que grupos mais vulneráveis desistem de empreender porque não conseguem pagar as dívidas. O Asmara (que remete ao termo as maravilhosas) foi criado pensando em formas de geração de rendam sem endividamento.
Todos os meses cada Mara recebe um kit com 80 itens, entre roupas e sapatos, vindos de doações e com preços até 80% abaixo do mercado. A ONG regional é responsável pela distribuição dos kits. A ideia é que cada mulher venda esses itens em sua própria comunidade em prazo de 30 dias. Sem custo para a vendedora, peças não vendidas voltam para o estoque e seguem para outra comunidade.
Nina Rentel, Diretora de Tecnologias Sociais da Gerando Falcões, conta o caso de Fabiana, que costumava vender coisas no semáforo e entrou no programa. “Ela hoje é uma das que mais vende e com muito mais dignidade”, destaca. O programa já conta com 4 mil inscritas. O que Rentel chama de “microcrédito antecipado” poderia ser, diz, uma forma de estimular o empreendedorismo.
Para Rentel, programas assim precisam oferecer acompanhamento do empreendedor. “Porque a pessoa passa a vida inteira ouvindo que favelado não pode isso ou aquilo”, afirma.
No programa Jovens Falcões, voltado à faixa etária entre 16 e 24 anos, antes de ser encaminhado a oportunidades de emprego, o jovem passa por aprendizagem que inclui módulos como resgate da autoestima, autogestão, consciência social, inteligência emocional e projeto de vida.
Em parceria com o Google, a RME criou um programa de uso de Inteligência Artificial para o desenvolvimento de pequenos negócios. “O empreendedor pode usar a Inteligência Artificial para, por exemplo, criar anúncios nas redes sociais”, diz Fontes.
Outra recomendação que estará no documento do W20 Brazil se refere à economia do cuidado. Para o grupo de engajamento, o trabalho de cuidar de familiares como crianças, idosos e doentes, deve ser remunerado por meio de um programa social, por exemplo. Ela lembra a iniciativa da Argentina, onde o cuidado com os filhos até seis anos passou a contar como tempo de serviço para aposentadoria. “Precisamos criar uma política nacional de valorização desse trabalho.”
No Brasil há 27 anos, a artista plástica argentina Teresa Stengel sempre teve condições de contratar ajuda de profissionais para cuidar do filho, Nicolás, que nasceu com uma patologia neurológica severa. Mas a experiência a fez olhar para quem não tem a mesma condição. Em 2004, fundou a One by One, ONG com sede no Rio, voltada à compra de cadeiras de rodas especiais, feitas sob medida. Na ONG, passou a compartilhar com outras mães conhecimentos que obteve ao estudar a doença do filho. O trabalho atende famílias com renda de até dois salários mínimos.
Com o tempo, Stengel percebeu que era preciso avançar. E, assim, o empreendedorismo foi incorporado à One by One. “Percebemos que temos que olhar para quem cuida e precisa trabalhar”, diz. A ONG começou a capacitar pessoas que já faziam coisas em casa para vender. “Muitos não sabiam colocar preço nos produtos ou a melhor forma de comprar matéria-prima”, diz.
O trabalho se expandiu e passou a incluir parcerias com uma padaria e um supermercado, que oferecem cursos. E, recentemente, com escolas para a obtenção de bolsas de estudo. “Quem tem filho com alguma deficiência precisa empreender porque não pode sair de casa”. Para ela, o Poder Público deveria oferecer linhas de crédito especiais para esses empreendedores.
Existe interesse dos candidatos a cargos públicos. E isso se repete a cada eleição. “A RME tem 14 anos e a cada eleição, seja municipal, estadual ou presidencial, somos chamados”, diz Fontes. “Me conta aí o que devo fazer para me conectar com esse mundo”, questionam. Mas o que entra na campanha nem sempre se propaga no governo. “Ou é mal-feito”, diz Fontes.
“Um dos grandes males dos políticos é querer criar coisas novas em cima do que já está sendo feito”. Para evitar desperdício de tempo, recomenda aos candidatos observar o que já está pronto e escolher prioridades. Replicar uma boa prática pode ajudar a criar uma política pública.
Em parceria com: Pequenas Empresas & Grandes Negócios

Related Posts

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *