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O impacto da Reforma Tributária nas cooperativas e os desafios jurídicos decorrentes

O impacto da Reforma Tributária nas cooperativas e os desafios jurídicos decorrentes


Por Marco Antonio Galera Mari Divulgação
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A promulgação da Reforma Tributária, em 2023, marcou um novo capítulo no sistema fiscal brasileiro. Com a promessa de simplificar tributos, combater a cumulatividade e promover justiça fiscal, o novo modelo trouxe alívio para muitos setores. No entanto, para as cooperativas — que possuem natureza jurídica e finalidade econômica singulares — os reflexos são mais complexos e exigem atenção redobrada de juristas, legisladores e operadores do Direito.
Como advogado atuante na defesa do cooperativismo, entendo que a principal preocupação do setor gira em torno do respeito à sua natureza diferenciada. A cooperativa não visa lucro, mas sim a prestação de serviços aos seus cooperados. Essa singularidade precisa ser preservada em qualquer modelo tributário, sob pena de se desvirtuar a própria razão de existir dessas instituições, que são fundamentais para o desenvolvimento socioeconômico do país.
A Reforma prevê a substituição de tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS por dois novos impostos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), além do Imposto Seletivo. Embora o texto constitucional tenha reconhecido o “ato cooperativo” como isento de tributação por esses novos tributos, a regulamentação infraconstitucional ainda é aguardada — e é justamente aí que mora o risco.
Historicamente, a luta do cooperativismo foi pelo reconhecimento de que o ato cooperativo não configura operação mercantil, e portanto, não deve ser tributado como tal. Esse entendimento está consagrado na Lei nº 5.764/71 e já foi reforçado em diversas decisões judiciais. No entanto, a ausência de detalhamento no texto da Reforma deixa margem para interpretações que, se não forem cuidadosamente conduzidas, poderão gerar conflitos judiciais e insegurança jurídica.
Outro ponto de atenção está na transição entre os sistemas tributários. O modelo híbrido, que perdurará até 2032, pode criar sobreposição de obrigações acessórias e, para as cooperativas com grande volume operacional, isso pode significar um aumento considerável nos custos de conformidade fiscal. Esse cenário exige uma revisão criteriosa das rotinas contábeis, além de forte assessoria jurídica para garantir que os princípios constitucionais do cooperativismo sejam respeitados.
Também será necessário um esforço coletivo para garantir que as legislações complementares — que definirão os contornos práticos da tributação no novo modelo — sejam construídas com a participação efetiva do setor cooperativo. A ausência de diálogo nesse momento poderá resultar em regras que, na prática, inviabilizem atividades essenciais, como o repasse de sobras aos cooperados e a centralização de compras e vendas.
Apesar das incertezas, também é possível vislumbrar oportunidades. O novo sistema promete maior transparência e menor cumulatividade. Se bem regulamentado, pode favorecer a previsibilidade tributária das cooperativas, especialmente as de crédito, agropecuárias e de consumo, que operam em mercados extremamente regulados. O desafio será garantir que essa promessa se concretize sem comprometer a autonomia e a sustentabilidade das cooperativas.
Outro desafio importante será o contencioso que possivelmente surgirá da nova interpretação dos atos cooperativos. Muitos questionamentos já são vislumbrados: o que será considerado ato cooperativo típico dentro do novo sistema? Como tratar as atividades não exclusivas a cooperados? Como ficam as cooperativas de trabalho, frequentemente confundidas com empresas prestadoras de serviço? São dúvidas que precisarão ser enfrentadas com maturidade jurídica.
Por essa razão, a atuação dos tribunais superiores será fundamental nos próximos anos. A jurisprudência deverá se debruçar sobre novos casos, e a advocacia especializada precisará atuar com técnica e firmeza para evitar retrocessos. É necessário fazer valer o princípio da segurança jurídica e garantir que conquistas históricas do cooperativismo não sejam diluídas em nome da simplificação fiscal.
Nesse cenário, a defesa institucional das cooperativas também será crucial. O fortalecimento do diálogo entre OCB, associações regionais, conselhos profissionais e entidades do Judiciário pode ser a chave para evitar distorções e construir uma regulamentação que respeite o papel estratégico das cooperativas na economia nacional.
As cooperativas estão presentes em mais de 50% dos municípios brasileiros. Elas geram renda, inclusão, desenvolvimento regional e protagonismo para milhares de pessoas. Proteger esse modelo não é apenas uma pauta setorial, mas uma escolha de país. A Reforma Tributária deve ser instrumento de justiça fiscal — e não de apagamento de estruturas que funcionam e transformam vidas.
*Marco Antonio Galera Mari é sócio do escritório Galera Mari Advogados.Advogado, graduado pela Universidade de Cuiabá/UNIC, Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná/PUC-PR, ex-bancário, Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/MT na Gestão 2018/2021, Membro da Comissão de Defesa dos Honorários Advocatícios na Gestão 2021/2024, e Sócio-Diretor do escritório Galera Mari Advogados.

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