Mais marmita e menos almoço fora: inflação muda hábitos de consumo e impacta faturamento de restaurantes
Com alta nos preços, levar comida de casa para o trabalho vira alternativa para 76% dos consumidores, de acordo com pesquisa da consultoria Galunion. Restaurantes buscam estratégias para driblar fuga Com variação de 5,53% pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) nos últimos 12 meses, a inflação tem alterado o comportamento alimentar dos brasileiros. De acordo com a pesquisa “Alimentação hoje: a visão do consumidor de foodservice” da consultoria Galunion, cerca de 90% dos consumidores disseram ter reduzido gastos com refeições fora de casa de agosto de 2024 até março de 2025. Entre os respondentes, 76% afirmam manter o hábito de levar marmita para o trabalho. O cenário vem desafiando os empreendedores do setor, que precisam se reinventar para manter a clientela e equilibrar as contas.
O levantamento, ao qual PEGN teve acesso com exclusividade, ouviu 1,8 mil consumidores a partir de 18 anos, das classes A, B e C em todo país, principalmente das regiões Sudeste (45%) e Nordeste (25%). A amostra é composta por um público 46,5% masculino, 53% feminino e 0,5% não-binário ou sem resposta, com maioria (69,5%) entre 25 e 60 anos. O questionário online foi enviado entre 25 e 31 de março de 2025.
Simone Galante, fundadora e CEO da Galunion, avalia que os dados revelam mudanças expressivas nos hábitos de consumo dos brasileiros. Na sua avaliação, esses costumes também tem sido influenciado por outros fatores, que incluem novos modelos de trabalho, maior preocupação com a saúde (principalmente entre jovens e classes mais altas) e até uso de medicamentos para redução de peso ou apetite. “A diminuição da ida a restaurantes é acompanhada por estratégias como aproveitar promoções, escolher pratos mais acessíveis ou pedir menos itens. Isso aponta para uma readequação do consumo”, afirma.
No recorte da pesquisa, 56% dos entrevistados têm cargos em empresas, no formato remoto e ou presencial, 29% trabalham de forma autônoma e 15% têm se dividido entre empregos fixos e trabalhos autônomos para complemento da renda mensal. A pesquisa ainda compara o número de pessoas que atuam no modelo híbrido nos últimos três anos. Em março de 2025, 43% delas trabalhavam nesse formato. Número que, em agosto do ano passado, era de 44%, mas que em julho de 2023 batia os 36%.
“A influência do trabalho no consumo é direta. Hoje, 43% trabalham de forma híbrida e, entre esses, muitos passam a preparar refeições em casa ou levam marmita ao trabalho. A previsibilidade menor na rotina afeta o consumo fora do lar e estimula a busca por flexibilidade nos formatos. O foodservice precisa responder com soluções que acompanhem essa jornada fragmentada”, destaca Galante.
De acordo com Luciana Florêncio, professora do mestrado profissional em comportamento do consumidor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), as pessoas estão repensando onde, como e o que comem. “O orçamento determina essas escolhas. Fora de casa, o consumidor precisa decidir se vai comer a bolacha ou a fruta, a barrinha ou o chocolate”, diz.
A especialista afirma que para quem tem tempo e estrutura, a marmita representa uma forma de manter o controle sobre os gastos e a qualidade da alimentação. Já entre consumidores de classe média e alta, a marmita pode ser uma opção por questões de saúde, dietas específicas ou preferências alimentares.
Segundo a pesquisa da Galunion, para 62% dos participantes que levam marmita com alguma frequência, o principal motivo está relacionado à economia de dinheiro, seguido por comer de forma mais saudável para 60% e economizar tempo na refeição para 31%, com índice maior para a faixa etária de 18 a 24 anos, que salta para 42%.
O foco maior na saúde e bem-estar entre os entrevistados também foi apontado pela pesquisa. Nos últimos dois anos, 58% prestaram mais atenção a rótulos e origem dos alimentos, e 46% passaram a cuidar mais da saúde por meio da realização de dietas e uso de suplementos. Nesse contexto, a redução do consumo de bebidas alcoólicas chegou a 39%.
Para o economista Bolivar Godinho, professor de Finanças na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), esse comportamento é uma reação direta à perda do poder de compra agravada pela inflação que vem afetando o setor de alimentação e bebidas. Em abril, por exemplo, os preços subiram 1,14%, ante 1,09% em março, conforme os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As altas da batata-inglesa (18,29%), do tomate (14,32%) e do café moído (4,48%) contribuíram para esse resultado.
“Os reajustes salariais foram insuficientes para manter o poder de compra. Uma das maneiras de economizar foi reduzir alimentação fora de casa e outros itens de lazer”, ressalta.
Segundo o especialista, o impacto é sentido em toda a cadeia relacionada à alimentação: da indústria de alimentos e bebidas aos supermercados, passando por bares, restaurantes e plataformas de delivery. “Os restaurantes devem usar a criatividade para elaborar pratos com ingredientes de época, que são mais baratos, e pensar em promoções e programas de fidelização dos clientes”, afirma.
É o que vem tentando fazer a Casa Gouveia Restaurante, localizada no bairro dos Jardins, na capital paulista. Para manter a clientela e contornar os custos, a proprietária, Juliana Gouveia, tem reformulado o cardápio, priorizando pratos com cortes de carne suína e peixes.
O estabelecimento, que fatura em média R$ 150 mil por mês, viu sua receita cair 15% nos últimos tempos, com queda de 10% também no serviço de delivery. Segundo a empreendedora, o atendimento presencial foi o mais afetado. “O consumidor tem evitado sair para comer, está mais seletivo e endividado”, afirma.
A alta dos preços vem pressionando o orçamento do restaurante. De acordo com Gouveia, as bebidas subiram 10%, e metade desse reajuste teve que ser repassado ao consumidor. Já a área de alimentação deve ter os preços revistos nas próximas semanas. “Mas também não poderei subir muito. O consumidor paga caro no mercado, mas quer pagar barato no restaurante. É um malabarismo”, diz a empresária.
Outro sinal de alerta para o setor de foodservice é a redução da ida a praças de alimentação em shoppings centers: 48% dos entrevistados relataram idas com menor frequência, seguido de 25% sem alteração, 21% com maior frequência e 5% que nunca visitam os ambientes. Outro dado relevante é que 48% passaram a frequentar menos bares, pubs, casas noturnas ou baladas.
A rede de franquias de restaurantes Vivenda do Camarão sentiu nos últimos sete meses uma diminuição no movimento nas praças de alimentação em locais como Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP). “Registramos uma queda que varia entre 1,4% e 1,6% no faturamento nessas regiões”, afirma Rodrigo Perri, coCEO da marca.
Para não impactar tanto a receita, a marca vem investindo em campanhas promocionais, com foco na redução de preços de seis pratos já conhecidos no cardápio. “Intensificamos nossas ações de marketing interno e ampliamos a divulgação por meio de banners e exibição em telas de televisão no ambiente da loja”, diz Perri.
A rede tem 150 unidades espalhadas pelo Brasil e um faturamento anual superior a R$ 300 milhões. De acordo com Perri, o serviço de delivery não foi impactado, ao contrário: nos últimos sete meses, o canal registrou um crescimento de cerca de 12% no volume de vendas.
De acordo com o estudo da Galunion, 81% têm feito pedidos de delivery ou retirada. O número representa uma diminuição de 11 pontos percentuais em comparação com abril de 2024.
Galante diz que o movimento de redução de refeições fora de casa também reflete em mais atenção aos critérios de escolha dos restaurantes entre os consumidores, sendo os principais higiene e limpeza (30%), comida gostosa (23%), preço justo (16%) e comida saudável (11%). “Isso mostra uma combinação entre busca por custo-benefício e expectativa de qualidade na experiência.”
Para o futuro, de acordo com Gilberto Braga, economista e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), as projeções indicam uma leve desaceleração da inflação, mas não uma queda de preços. “Vamos continuar em um patamar elevado, com os preços subindo menos, mas ainda aumentando”, diz.
Para o economista, a possibilidade de uma supersafra de grãos e até o advento da gripe aviária — que embora prejudique as exportações, pode baratear proteínas como ovos e frango no mercado interno —, podem fazer com que esse cenário mude. A detecção do vírus da gripe aviária em uma granja comercial foi confirmada no dia 16 de maio pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Braga relembra que este ainda é um momento de atenção. “Se não tivermos nenhum evento climático ao longo de 2025, seja queimada e temperaturas fora do normal para o cultivo, nós vamos ter um alívio sobretudo nos grãos”, diz o especialista. “O empreendedor deve ficar atento e buscar alternativas pensando na relação com seu público e a região onde está”, acrescenta.
Saiba mais
Dicas para contornar o momento
De acordo com os especialistas consultados por PEGN, a expectativa para os próximos meses é de um consumo ainda discreto e o momento exige cautela. Dessa forma, o empreendedor precisará se adaptar e utilizar estratégias como:
Reformular o cardápio com foco em custo-benefício: busque usar ingredientes de safra ou opções mais baratas. Isso permite que você consiga oferecer pratos mais acessíveis. Não esqueça de ter cuidado também com o desperdício;
Apostar em promoções e fidelização: faça ofertas diárias ou crie menus executivos em dias ou horários específicos que incentivam o consumo. Você pode também estimular o retorno dos clientes, recompensando a recorrência com brindes ou descontos;
Invista no delivery e no takeaway: com mais pessoas optando por almoçar em casa, o delivery se torna uma frente estratégica. Crie combos e promoções para entrega e não se esqueça da embalagem e da apresentação;
Reforçar a comunicação e o marketing: use redes e busque interagir com clientes. Além disso, a sinalização nas lojas, displays e TVs ajudam a promover produtos mais rentáveis ou em oferta;
Otimizar a gestão operacional: busque novos parceiros, compre em maior volume ou de forma cooperada com outros estabelecimentos. Lembre-se também de automatizar processos e ter um controle de estoque e pedidos;
Repassar aumentos de forma equilibrada: sempre que possível, divida o impacto entre ajustes internos e o consumidor. Pequenos reajustes em produtos com maior margem podem ajudar a compensar custos sem afetar a competitividade.
“O principal impacto é a necessidade de adaptação rápida pelos operadores, com foco em eficiência, digitalização, revisões de portfólio e maior sensibilidade ao preço percebido pelo cliente. Quem não conseguir oferecer uma proposta de valor clara e ajustada a esse novo consumidor tende a perder relevância”, destaca Simone Galante.
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