Carvão, café, protetor solar: Açaí impulsiona negócios que vão além do processamento da polpa no Amapá
Por meio da inovação, empresas conseguem aproveitar até o caroço da fruta, cujo descarte é considerado problema ambiental no estado O açaí é um dos alimentos que fazem parte da rotina alimentar do amapaense. “Diferentemente de outras regiões do Brasil, onde o consumo é voltado ao açaí gelado com frutas e granola, no Amapá, ele é parte da refeição: acompanha o almoço e o jantar, é consumido com farinha e proteína. Essa tradição alimenta uma cadeia produtiva ampla e bastante ativa”, diz Laryssa Queiroz, gerente de agronegócio e indústria do Sebrae.
No estado, o processamento do fruto é abundante, apesar de pouco mapeado. “Muitas dessas batedeiras funcionam de forma informal, sem CNPJ, o que dificulta a obtenção de dados precisos”, afirma Queiroz. Segundo os registros oficiais, a maioria dos negócios que têm o açaí como matéria-prima no estado é formada por microempreendedores individuais (MEIs) ou microempresas (MEs) — apenas uma pequena parte é composta por empresas de pequeno porte (EPPs). “Os empreendimentos formais são atendidos por instituições como o Sebrae, o que nos dá alguma visibilidade, mas a informalidade ainda é muito grande.”
Apesar de não haver dados oficiais sobre o número de negócios que têm o açaí como matéria-prima no estado, a especialista diz que o segmento está em alta e tem incorporado inovação. “O setor cresce de forma constante. Após quase 19 anos de atuação no Sebrae, acompanhando de perto essa cadeia, posso afirmar que não apresenta sinais de estagnação.”
Uma dessas oportunidades de inovação nasceu de um desafio da produção na região: o descarte do caroço de açaí. “Eu fui prefeito por dois mandatos, e o caroço do açaí era um dos maiores problemas urbanos. O que fazer com o caroço do açaí, vindo das batedeiras que, ao final do dia, descartavam esse resíduo?”, questionou o governador Clécio Luís (Solidariedade-AP), durante a abertura do Inova Amazônia Summit, evento realizado entre 21 e 23 de maio, na sede do Sebrae Amapá, em Macapá, capital do estado.
Pouco a pouco, o empreendedorismo tem dado nova narrativa a essa história. “Nos últimos dois ou três anos, o caroço de açaí passou a ganhar valor e a ser visto como uma oportunidade de inovação. Há empresas que atuam exclusivamente com o aproveitamento do caroço, transformando-o em novos produtos, inclusive alimentos”, diz Queiroz.
Saiba mais
Atualmente, o caroço é usado, por exemplo, para produção de carvão ecológico e uma espécie de café. O óleo de açaí também tem achado espaço na indústria cosmética e a própria polpa processada encontra destinos que não o sorvete do eixo Sul. PEGN esteve no Inova Amazônia Summit e mostra a seguir três negócios que estão usando o açaí de forma diferente. Confira:
Carvão de Açaí
Alex Pascoal, o CEO da startup Carvão de Açaí
Carina Brito/Editora Globo
A Carvão de Açaí, que figurou na lista das 100 Startups to Watch de 2024, é um dos negócios que passaram a aproveitar o caroço. “Nosso carvão tem diferenciais importantes em relação ao vegetal tradicional: maior durabilidade, maior poder de queima e menor emissão de fumaça”, afirma Alex Pascoal, CEO da empresa que nasceu em 2022 após uma mudança de rumo.
O pai, Edson Marques, tinha uma empresa tradicional de carvão desde 2001 e estava testando maneiras de produzir uma versão mais sustentável. Hoje, produz cerca de 5 toneladas por mês.
“Meu pai sempre enfrentou muita dificuldade com a produção do carvão vegetal, principalmente por conta dos resíduos — o chamado “fino do carvão”, ou pó de carvão. Ele sempre teve a ideia de reaproveitar esses finos para transformá-los novamente em carvão, já que aquilo era um resíduo e também um problema ambiental”, afirma o CEO.
Os empreendedores começaram a estudar e descobriram que existiam máquinas que permitiam essa produção. A ideia era substituir o carvão vegetal tradicional, transformando os finos em um produto ecológico. “Nos aprofundamos e vimos que o caroço de açaí podia ser usado. Então, hoje, essa é a nossa proposta. Mudamos o nome da marca para Carvão de Açaí, porque queremos não só produzir um carvão ecológico, mas também transformar toda a cadeia de produção do carvão vegetal.”
A empresa foca no mercado doméstico, e oprincipal uso ainda é para churrasco — existe o plano em expandir para outros segmentos, como siderurgia e caldeiras. “Quem mora em apartamento, por exemplo, geralmente não consegue fazer churrasco por conta da fumaça do carvão comum. Com o nosso produto, isso já é possível, porque ele emite muito menos fumaça.”
O produto é comercializado no Amapá, e também está sendo exportado para a Guiana Francesa. “Atendemos clientes finais por meio de pedidos via Instagram e já buscamos ampliar a distribuição, negociando com transportadoras e tentando entrar na Amazon, que está abrindo espaço para empresas da região.”
Café de açaí
Francisco Soares, fundador do Café de Açaí Faustina
Carina Brito/Editora Globo
Francisco Soares aprendeu a produzir café com a avó, Faustina — que dá nome à sua marca. Ele conta que decidiu empreender quando era professor de português em uma escola na periferia de Macapá e costumava ver o entorno lotado de caroço de açaí, o que se tornou um grande desafio local.
Em 2022, ele fundou a foodtech Café de Açaí Faustina, que produz 200 kg por mês e atende clientes em todo o Brasil, realizando vendas por meio das redes sociais. A empresa tem duas opções de produto, o frasco de acrílico com 500 g (R$ 30), e o pacote de 250 g (R$ 15).
“Hoje em dia diminuiu mas, há cerca de quatro anos, os caroços de açaí eram praticamente um lixão a céu aberto. Havia proliferação de doenças, insetos, aquele chorume que escorria e contaminava o lençol freático. Como sou ambientalista e especialista em meio ambiente, vi aquilo como um problema”, diz Soares, que passou a estudar soluções.
Lembrou dos ensinamentos da avó, e decidiu criar uma versão de café de açaí. “Lavei os caroços, passei por um processo de secagem ao sol, em estufa. Depois, torramos no forno à lenha, do mesmo jeito que minha avó fazia. Fica com aquele toque tostado”, diz o empreendedor. “O cheiro e a cor do pó ficaram iguais. Foi aí que percebi que dava para fazer o café.”
Soares se demitiu da escola e começou a participar de feiras. “Me formalizei recentemente. Antes eu vendia direto na rua — o pessoal gostava, até fazia fila”, diz. Hoje, o negócio atende clientes finais, supermercados e revendedores.
A nomenclatura “café de açaí” se tornou um desafio para o negócio, já que o seu produto não utiliza o grão de café. “O nome acaba dificultando até para exportação. Para isso, precisamos de um selo do Ministério da Agricultura, que nem sabia o que era. Muita gente quer comprar para levar para fora, mas esbarra nessa burocracia. Hoje, tenho apenas um do selo Amapá, que certifica a origem local da matéria-prima.”
No momento, o empreendedor está em busca do selo de café municipal e, depois, do estadual. “Só então poderei solicitar o selo federal do Ministério da Agricultura.”
Protetor solar com óleo da açaí
José Cláudio Balducci, fundador da indústria de óleos vegetais Amazonly
Carina Brito/Editora Globo
José Cláudio Balducci, fundador da indústria de óleos vegetais Amazonly, vende desde 2022 o óleo de açaí. “Ele tem antocianina, que combate radicais livres tem uma série de benefícios. Por isso o açaí é açaí no mundo inteiro”, diz o empreendedor.
Especialmente para esta edição do Inova Amazônia Summit ele criou um protetor solar feito com óleo de açaí. “Vou lançar para o público porque foi um sucesso aqui no evento. Ele tem uma tecnologia chamada Adapt Color, que se adapta à cor da pele de quem está usando. É um clareador. Então, às vezes, você passa um protetor e está com olheiras ou alguma manchinha — ele trata, cuida, hidrata, e tudo isso sem deixar aquela sensação pegajosa na pele.”
Segundo o empreendedor, ainda não há previsão de lançamento do produto nem o preço de venda. “Mas queremos fazer isso em breve para não perder o hype do evento.”
A empresa também oferece óleos de castanha-do-brasil, buriti, andiroba, copaíba, pracaxi e patuá.
* A jornalista viajou a convite do Sebrae.
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