Cacau Show: entenda polêmica e o que pode e não pode ser feito em redes de franquias
Reclamações de franqueados da marca de chocolate sobre taxas e relacionamento foram notícia nos últimos dias. Empresa responde e especialistas falam sobre boas práticas A rede de franquias de chocolates Cacau Show estampou o noticiário dos últimos dias com acusações de um grupo de franqueados sobre práticas comerciais da empresa e sobre seu relacionamento com a rede. A marca afirma que as queixas são inverídicas.
Fundada pelo empresário Alexandre Tadeu Costa, a Cacau Show é atualmente a maior rede de franquias do Brasil em número de unidades, com 4,6 mil lojas, de acordo com o ranking anual de 2024 divulgado pela Associação Brasileira de Franchising (ABF). A marca abriu cerca de 2 mil pontos de venda em pouco mais de três anos e vem apostando também em outros negócios, como hotéis — há dois em funcionamento, em Campos do Jordão e em Águas de Lindoia, ambos no interior paulista — e um parque de diversões com inauguração prevista para 2027, em São Paulo.
PEGN teve acesso a oito processos abertos por franqueados contra a rede. As queixas incluem questionamentos sobre cobranças extracontratuais – como a chamada “taxa do cacau”, um valor requerido dos franqueados para compensar a alta da matéria-prima (que bateu 300% nos 12 meses anteriores a dezembro de 2024); retirada de crédito e de parcelamento para a compra de novos produtos; imposição de aquisição de mercadorias não solicitadas ou próximas ao vencimento; e obrigatoriedade de adesão a programas de fidelidade. Até agora, apenas um caso (sobre remoção de crédito e parcelamento) foi julgado a favor do franqueado, e ainda cabe recurso.
Alê Costa é fundador da Cacau Show
Juliana Frug
Franqueados têm alegado dificuldades para repassar unidades, por se negarem a pagar valores que consideram “abusivos”, como a “taxa do cacau”. Uma associação de franqueados insatisfeitos foi constituída em 2024. PEGN conversou com empreendedores dessa organização — a maioria não quis ter seus nomes revelados. As alegações deles são de dificuldade de suporte, problemas no fornecimento e contração de dívidas para conseguir manter as operações.
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Três processos foram abertos coletivamente pela associação nos últimos meses, tendo o advogado Sandro Wainstein como representante: um sobre fornecimento de produtos e dois acerca de processos operacionais que a franqueadora teria deixado de cumprir. “O sistema de franquia Cacau Show não conseguiu se estruturar de uma forma que pudesse suportar o crescimento”, afirma o advogado. Nenhum dos empreendedores entrevistados disse ter buscado vias judiciais isoladamente até o momento.
A reportagem de PEGN também ouviu relatos de franqueados que afirmaram não enfrentar problemas com a rede. Eles ainda disseram ter feito investimentos recentes para ampliar seus pontos de venda. Na semana passada, a Cacau Show realizou uma convenção e levou franqueados para conhecer as obras do parque de diversões em um evento fechado.
As queixas contra a Cacau Show foram publicadas inicialmente pelo portal Metrópoles. Reportagens relatam supostos abusos morais. O Ministério Público do Trabalho em São Paulo confirmou a PEGN ter aberto inquérito para investigar denúncias recebidas contra a Cacau Show. O teor dessas queixas, no entanto, não foi revelado. “O procedimento está em fase de apuração e, portanto, ainda não há, por parte do órgão, qualquer processo judicial movido contra a referida empresa pelos motivos denunciados”, diz o MPT.
Na noite de segunda-feira (2/6), a Cacau Show publicou um comunicado nas redes sociais em que chama as notícias de “inverídicas”. “Com os franqueados, temos uma relação baseada em confiança e parceria de longo prazo — mais de 50% deles estão conosco há mais de 7 anos, representados por um maduro Conselho de Franqueados”, diz o post.
A ABF (Associação Brasileira de Franchising), entidade que representa o setor de franquias, emitiu uma nota aos associados também na segunda-feira (2/6). Sem citar a Cacau Show, o texto diz que a organização está acompanhando os fatos, que devem ser analisados com “cautela e responsabilidade”.
“O setor de franquias no Brasil segue sólido, resiliente e em constante transformação, mas assim como qualquer iniciativa empreendedora implica riscos para todos os empresários envolvidos, sejam eles franqueados ou franqueadores”, afirma a nota.
Natan Baril, diretor jurídico da ABF, diz que a entidade tem canais de comunicação com todos os elos do franchising, inclusive franqueados, e que as situações, se comprovadas, não retratam o mercado como um todo. “Não podemos confundir episódios individuais com a realidade ampla do setor, que é predominantemente saudável, transparente e profissionalizado”.
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O que diz a Cacau Show?
Em resposta às perguntas de PEGN, a Cacau Show afirmou que todas as taxas cobradas de franqueados são previstas em contrato e comunicadas antecipadamente. A empresa diz que adota “um modelo transparente de cobrança” e que segue o “padrão do mercado de franquias brasileiro”.
“A taxa de publicidade é uma coparticipação entre todos os franqueados, cujo valor arrecadado é integralmente investido em campanhas que fortalecem a marca e beneficiam toda a rede. A chamada ‘taxa do cacau’ é um incremento de preço final, e não uma taxa. Foi necessária para proteger nossa rede da alta histórica do cacau como commodity, que chegou a variar mais de 300% nos últimos dois anos”, diz a empresa. Segundo a Cacau Show, o valor é 100% destinado a pagamentos de fornecedores de insumos.
A marca nega a retirada de crédito ou de possibilidade de parcelamento de compras dos franqueados, mas, “por motivos comerciais”, não detalha a política adotada. “Recentemente, reunimos mais de 2 mil franqueados em nossa convenção nacional de vendas, onde apresentamos iniciativas focadas em aumentar a rentabilidade e reduzir custos operacionais, como programas para mitigar o impacto tributário regional e iniciativas para diminuir custos de aluguel, fatores que influenciam diretamente a operação das lojas.”
Com relação às alegações de envio de produtos com prazo de validade próximo ao vencimento, a marca afirma que, “se por algum equívoco algum lote de produto é expedido nesta condição, o franqueado pode devolver a carga”, obedecendo à política interna.
Sobre o programa de fidelidade Cacau Lovers, que dá descontos a consumidores participantes, a Cacau Show nega que os franqueados tenham de arcar com a diferença entre os valores pagos pelos clientes e os praticados em tabela. A empresa não abre detalhes comerciais da estratégia, também por razões comerciais, mas diz que o clube faz parte do modelo de negócio e está disponível em todas as lojas.
A empresa ainda afirma que, se o franqueado optar por repassar sua operação, presta suporte à captação de possíveis compradores.
“Do novo franqueado é cobrada somente a taxa de adesão. O valor de compra da loja é pago diretamente ao franqueado vendedor, assim como o estoque remanescente na loja. A franqueadora atua como mediadora desse processo e anuente no contrato de compra e venda. Naturalmente, o novo franqueado precisa ter sido aprovado pela franqueadora e passar por todos os treinamentos e capacitações.” De acordo com a Cacau Show, o repasse só é concretizado após o acordo de locação do imóvel onde a loja está instalada ter sido transferido para o novo comprador.
O que pode e o que não pode no franchising
A polêmica levantou questões importantes sobre contratos de franquias e o que é permitido nas relações entre franqueador e franqueados. Entre as dúvidas estão cobrança de taxas extras, sistema de repasse e políticas de venda de produtos para as lojas. Veja o que dizem especialistas.
Redes podem fazer cobranças extras pelo aumento do preço de matéria-prima do produto?
Gabriel Villarreal, advogado especialista em franchising do escritório Villarreal Advogados, diz que todas as taxas cobradas pela franqueadora devem estar descritas na Circular de Oferta de Franquia (COF) e no contrato de franquia empresarial. Entretanto, há situações em que novas cobranças podem ser aplicadas sobre os contratos.
“A criação de novas taxas não previstas em contrato não obriga os franqueados a pagarem tais valores, a menos que eles aceitem as novas taxas por meio de um aditivo contratual”, afirma Villarreal. “Mudanças relativas a custos de matéria-prima, a princípio, devem impactar apenas e tão somente o preço de aquisição dos produtos por parte dos franqueados, não permitindo a criação de novas taxas para fins de remuneração da franqueadora nem, muito menos, a cobrança retroativa de taxas sobre compras já realizadas”, completa.
De acordo com Thais Kurita, sócia do escritório Novoa Prado Advogados Associados, novas cobranças, como um rateio de propaganda ou um valor agregado por meio de clube de vantagens, devem estar atreladas a situações específicas e ser bem comunicadas. “Ajustes são importantes e fazem parte de um contrato de franquia, considerado de longa duração. Imagine que uma fábrica esteja operando no prejuízo [no caso de aumento de matéria-prima, por exemplo]. Isso pode representar a quebra da rede. Diluir o custo pode ser menos traumático”, diz.
Cada empresa pode assumir uma postura diferente na aplicação de taxas extracontratuais. O importante, segundo Baril, da ABF, é que a nova cobrança não “desequilibre” economicamente o franqueado.
“O desequilíbrio econômico-financeiro do contrato ocorre quando há movimentos unilaterais que comprometem substancialmente aquilo que foi acordado em contrato. É precisa ter cuidado e bom senso”, diz.
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Quem escolhe o canal para a resolução de conflitos entre franqueados e franqueadores?
Em diversos processos vistos por PEGN, os franqueados reclamam de não conseguir acessar diretamente a Justiça e precisar recorrer a uma câmara arbitral.
De acordo com Kurita, os contratos devem prever o meio que será utilizado para a solução de conflitos. A Lei 13.966/19, conhecida como Lei de Franquias, diz que as partes podem resolver conflitos pela via da arbitragem.
Na visão de Villarreal, o modelo é benéfico, pois, em geral, é mais rápido do que a Justiça comum e permite a escolha de um julgador técnico, que conhece os meandros do sistema. “Um ponto negativo, porém, é que os custos de uma arbitragem são muito superiores ao de uma ação judicial, o que em alguns casos pode impedir o acesso por parte dos franqueados, principalmente quando estiverem em situação financeira delicada”, diz.
Taxas de publicidade podem ser aplicadas sobre estoque parado?
De acordo com relatos de franqueados, a Cacau Show teria aplicado taxas de publicidade a produtos que ainda estavam em estoque e não haviam sido vendidos.
Mecanismos como esse são permitidos? Kurita diz que depende do modelo adotado pela franqueadora. Se a base de cálculo da eventual cobrança forem os pedidos realizados à fábrica, a cobrança é permitida. Se for o faturamento bruto, não, pois o produto ainda não trouxe receita para a loja.
Redes podem obrigar franqueados a comprar produtos ou estabelecer uma grade de itens de cada unidade?
As franqueadoras podem determinar cotas obrigatórias de compras no contrato de franquias. De acordo com Kurita, “faz parte do jogo” o franqueado receber produtos que não optaria por adquirir, mas vai da experiência do franqueador pensar o melhor mix para cada unidade, gerando experimentação e ampliando a base de clientes. “No varejo, vender 100% do estoque significa que o pedido de compra foi menor do que deveria ter sido”, afirma.
Segundo Baril, a política de estoque das franquias pode variar de acordo com a estação do ano, o segmento e os momentos de venda. “É salutar que a franqueadora construa isso a quatro mãos com o franqueado, sempre respeitando os limites do contrato de franquia”, diz o advogado.
Se houver a necessidade da criação de uma nova política comercial, o ideal é que a franqueadora comunique com antecedência e explique os motivos. Não há um prazo pré-determinado. No entanto, Baril reforça, sempre é necessário respeitar os limites do contrato de franquia e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do negócio.
Quem decide sobre repasses de unidades? Franqueador ou franqueado?
Segundo Baril, da ABF, a decisão de encerrar o contrato pode partir de qualquer um dos lados. “A franqueadora também pode decidir não continuar a relação e buscar outro candidato”, diz.
A análise é feita caso a caso, podendo incluir ponderações acerca dos ganhos com a venda da unidade. “É importante que as partes consigam ser remuneradas de acordo com os seus retornos”, afirma Baril.
Durante a vigência do contrato, contudo, o repasse só ocorre se há concordância de franqueado e franqueador. “Ambos precisam honrar compromissos, obrigações e direitos dos contratos de franquia, até que, eventualmente, ocorra o repasse da operação. Existem muitas variáveis, inclusive o interesse do comprador e a aprovação ou não desse empreendedor”, diz Baril.
Como as franqueadoras devem lidar com associações de franqueados?
Associações podem ter viés de reivindicação ou até de confronto. Nesse caso, a orientação é entender o motivo que levou os franqueados a se agruparem. “Muitas vezes é uma resposta à falta de um ambiente apropriado para diálogos dentro da rede”, diz Kurita.
As franqueadoras podem e devem agir preventivamente, criando ambientes propícios à escuta, buscando a resolução de conflitos e mapeando o que pode se tornar um problema em escala maior. “Se uma associação for criada, será importante acolhê-la, porque ignorá-la apenas amplificará a voz de seus membros, que sentirão a necessidade de gritar e expor cada vez mais as situações”, afirma a especialista.
Para redes que ainda não têm um conselho de franqueados, Villarreal diz que a associação é um caminho para a abertura do diálogo. “Pode ser um meio saudável de se estabelecer uma governança mais clara e transparente com relação à rede, unificando a comunicação e mantendo o alinhamento de interesses, principalmente quando as unidades forem muito numerosas”, diz.
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