Bobbie Goods: marca de livros para colorir viraliza e impulsiona faturamento de negócios no Brasil
Perfil da marca, criada pela norte-americana Abbie Goveia, já acumula 1,3 milhão de seguidores e 23,8 milhões de curtidas no TikTok. Influenciadores e empresas aproveitam para lucrar com livros, aulas e canetinhas Ilustrações de animais fofos em situações cotidianas e a possibilidade de explorar diversas formas de colorir para pessoas de todas as idades. Essa é a proposta da marca Bobbie Goods, criada pela ilustradora e designer norte-americana Abbie Goveia, que viralizou a partir do segundo semestre de 2024 no Brasil. No TikTok, o perfil oficial já soma 1,3 milhão de seguidores e 23,8 milhões de curtidas. O sucesso ainda se estende para a produção de conteúdo entre os internautas com a hashtag #BobbieGoods, que reúne mais de 142,6 mil publicações.
Além do alcance na rede social, a repercussão das ilustrações tem gerado um impacto significativo no faturamento de negócios. Entre os destaques estão a venda de produtos relacionados e cursos focados na técnica de pintura dos desenhos.
Ao reconhecer o fenômeno, o influenciador Lucas Medeiros, que é formado em arquitetura e design de interiores, resolveu criar outro perfil, o @coresdolucas, para postar vídeos pintando as ilustrações da Bobbie Goods.
No primeiro mês, Medeiros teve um post viral e alcançou cerca de 10 mil seguidores. Agora, apenas seis meses depois da criação da conta, o número chegou a 687,5 mil seguidores e 28,1 milhões de curtidas. Os posts com os desenhos da Bobbie Goods atingem entre 1 milhão e 5 milhões de visualizações no TikTok.
A produção inclui a gravação de vídeos dele colorindo as ilustrações com a sua coleção de canetas, além da narração da cena escolhida para o post. Os personagens ganham vida e recebem até características próprias, como nomes e pinturas diferentes. A ursa Bonnie, por exemplo, usa botas vermelhas para combinar com sua personalidade aventureira em algumas cenas.
“Comecei os vídeos colocando músicas de fundo, mas não estava vingando. Então, resolvi fazer uma narração para contar a história da cena e passei a atingir um público maior. Desenvolvo as características da página e do personagem, penso em quem é o mais fofo e mais bravo. A criação de narrativas fez o boom acontecer em outubro do ano passado”, diz.
Com a repercussão dos posts, ele decidiu dar mais um passo e idealizou o seu próprio curso online para ensinar as técnicas que utilizava para colorir os desenhos. Em dezembro de 2024, o influenciador lançou o “Cores com Lucas”, iniciativa na qual oferece aulas teóricas e práticas. Ele já vendeu para mais de 1 mil alunos.
O material, que conta com 29 aulas gravadas, custa R$ 77 no site do influenciador e é voltado para o ensino da técnica de pintura com canetas à base de álcool. Com a venda do curso, ele diz que faturou cerca de R$ 80 mil. Já o montante mensal com a produção de conteúdo pode chegar a R$ 30 mil, incluindo a monetização dos seus vídeos no TikTok, os links de afiliado em plataformas de e-commerce e as parcerias publicitárias.
Lucas Medeiros, influenciador que aumentou faturamento colorindo ilustrações nas redes
Paula Chaves/Divulgação
Autenticidade dos produtos
O sucesso da Bobbie Goods também veio acompanhado da preocupação com a pirataria das ilustrações impressas e vendidas na internet. Por essa razão, a HarperCollins Brasil fechou um acordo com a própria autora e adquiriu os direitos de publicação para lançar os livros “Do Dia para a Noite”, que entrou para a lista de mais vendidos da Amazon Brasil na fase de pré-venda, e “Dias Quentes”, presente na mesma lista. Neste mês, a editora ainda vai promover o lançamento de “Isso e Aquilo”. Até o momento, 400 mil exemplares já foram vendidos pela empresa no país.
“Trabalhamos de perto com a autora para adaptação de algumas das artes e páginas. A edição brasileira conta com alguns detalhes diferentes da edição norte-americana, como o selo holográfico que incluímos para garantir a originalidade do produto”, afirma o diretor editorial da HarperCollins Brasil, Samuel Coto.
Antes disso, Abbie Goveia só comercializava cards dos desenhos avulsos para colorir. Por isso, o influenciador Lucas Medeiros buscou diversificar o conteúdo do seu perfil com as ilustrações dos livros da Coco Wyo – marca do Vietnã que surfou na tendência viral de ilustrações fofas. Os direitos da marca também foram comprados pela HarperCollins Brasil. Entre os lançamentos estão “Um Natal Quentinho”, “Criaturas Fofinhas” e “Cantinhos Bonitinhos”.
Quanto aos desafios diante da pirataria dos livros, Coto pontua que a editora tem trabalhado em conjunto com a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR). “Estamos notificando os infratores, informando ao público quais são as edições piratas e tirando de circulação esses títulos. Caso essas pessoas insistam na reprodução e venda, tomamos as medidas legais necessárias. Sabemos que quando algo faz bastante sucesso, imitações costumam acontecer. No entanto, não se trata de imitação, mas de reproduções ilegais”, reforça.
Segundo o professor de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV/RJ) Gustavo Kloh, a produção e a venda de artigos piratas violam o direito autoral sobre as ilustrações da artista e a marca Bobbie Goods. “Nesse caso, existe uma violação e um problema de reputação, porque pode ser que esse material não tenha qualidade, além do prejuízo financeiro devido ao não pagamento dos direitos autorais.”
Caso seja comprovada a prática ilegal, o especialista aponta que os itens podem ser apreendidos e até retirados de circulação no mercado, além de cobrança de multas por causa do prejuízo causado pelo uso indevido da marca e de propriedade intelectual. Kloh ainda diz que o crime deve ser coibido por meio de ações de prevenção e denúncia.
No Brasil, as denúncias e reclamações de supostas vendas de artigos ilegais (piratas, contrafeitos, contrabandeados) devem ser direcionadas aos órgãos federais ou estaduais de polícia, fazendários ou de defesa do consumidor, podendo ainda serem encaminhadas ao Conselho Nacional de Combate à Pirataria.
Vendas na papelaria
A empresária Juliana Wolff, que é proprietária da Papelote – papelaria com duas unidades físicas em Salvador (BA) e loja online para todo o Brasil –, ressalta que só colocou os livros da Bobbie Goods à venda após o lançamento oficial da HarperCollins Brasil.
“Acho que até demorei um pouquinho para fazer a compra, mas queria adquirir todos os produtos originais. Quando estourou no TikTok, percebi que havia muitas cópias dos desenhos e o livro original só foi liberado em março para venda nas papelarias”, conta.
Apesar do sucesso nas redes, ela decidiu investir com cautela na tendência viral ao fazer um pedido de 80 exemplares, sendo a quantidade dividida nos dois lançamentos. Em menos de um mês, ela conta que todos os itens já foram vendidos tanto nos pontos físicos quanto na loja virtual. “A procura pelos livros tem sido grande — não só as crianças, mas os adultos também. Vou repetir o pedido porque já acabou tudo”, relata.
As canetas também têm sido um grande sucesso de vendas. Com a oferta variada de cores, o kit com 36 peças custa R$ 79, enquanto o livro sai por R$ 48. “Inclusive, alguns fornecedores estão sem estoque de canetinhas. Estamos correndo para repor os produtos”, afirma.
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Fenômeno nas plataformas de e-commerce
Entre junho de 2024 e março deste ano, a Shopee registrou alta de 260% nas buscas pelo termo Bobbie Goods e de 400% nas vendas dos itens na plataforma, segundo dados enviados a PEGN. Os livros de colorir atingiram um aumento de mais de 60% e 40% nas buscas e vendas, respectivamente. Outro destaque é a caneta à base de álcool– utilizada na pintura dos desenhos–, que apresentou 100% de aumento nas buscas e 150% nas vendas do produto. Os kits custam a partir de R$ 19,90, com 12 cores. Cada unidade do item sai por R$ 1,65.
O aumento das buscas pelo termo Bobbie Goods também foi contabilizado pelo Mercado Livre, que registrou um incremento de mais de 600% entre outubro e dezembro de 2024, em comparação com o trimestre anterior.
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Impactos do viral no perfil de consumo
Para Lyana Bittencourt, CEO do Grupo Bittencourt — consultoria especializada em redes de negócio –, a difusão dos conteúdos nas redes sociais desempenha um papel importante no lançamento de tendências e até mudanças nos perfis de consumo. Segundo ela, as publicações costumam gerar a ideia de aproximação com o usuário por meio de interesses comuns.
“No passado, revistas e programas de televisão ditavam o que era tendência. Hoje, esse papel foi direcionado às redes sociais e aos influencers. Além disso, a conexão emocional conquistada com os seguidores instiga o consumo do lifestyle, fator que favorece ainda mais o engajamento”, pontua.
A professora de pesquisa e comportamento do consumidor da ESPM Karine Karam afirma que o algoritmo das plataformas favorece a divulgação de conteúdos visuais, criativos e que despertam sensações positivas, como os vídeos de associados ao boom da Bobbie Goods. Esse fator pode explicar o aumento do interesse por tendências manuais e criativas, como os livros de colorir.
“Essa tendência também sinaliza uma valorização do offline como antídoto à vida digital intensa: desenhar, pintar, decorar planners ou bullet journals se tornaram práticas quase terapêuticas, muito amplificadas por criadores de conteúdo que compartilham seus rituais criativos online”, diz.
A partir desse ciclo de engajamento por parte dos usuários, Karam ressalta que o consumo dessa tendência pode afetar o comportamento da marca de duas formas: a maior abertura à experimentação e lealdade mais fluida. O primeiro aspecto se refere ao desejo dos clientes em experimentar novas marcas associadas a algo que os atrai. Já o segundo consiste na transformação da marca em uma experiência. “A marca que conseguir sustentar relevância cultural pode ganhar mais do que fidelidade — ganha defensores.”
Por outro lado, a especialista em tendências na WGSN Hanne Lima alerta que a adesão de produtos virais devem estar alinhada ao posicionamento da marca ou empresa, visando a consistência de uma entrega mais duradoura. “É essencial se antecipar, ter a certeza de que você terá o produto certo na hora certa e saber aproveitar a narrativa dessas tendências. Não é um trabalho somente de produto, mas também do universo do marketing”, enfatiza.
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